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Zona cinzenta

  • Foto do escritor: Sandra Brandão
    Sandra Brandão
  • 17 de abr.
  • 2 min de leitura

Sou advogada e sou praticante de yoga. Tenho a sorte de ter um professor incrível, que muito me inspira com suas reflexões filosóficas — sempre muito práticas — que traz em aula.


Certo dia, ele comentava sobre uma cantora indiana e o maravilhamento que sentiu, como músico que também é, ao perceber as diversas notas sutis entre aquelas mais perceptíveis e familiares, como o Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si e Dó. Para além das notas acidentadas, como sustenidos (#) e bemóis (b), comuns no sistema tonal ocidental tradicional, ele se referia aos microtons — frequências mínimas, quase imperceptíveis, presentes na música indiana, especialmente na habilidade da cantora em questão.


Em sua reflexão, o professor foi abrindo nossa visão para pensar quantas sutilezas existem sempre entre uma coisa e outra, para as quais não damos a devida atenção. Quanta nuance há entre o “isso” e o “aquilo”. Quantos microtons somos capazes de perceber entre a cor mais escura e a mais clara de um tom de azul?



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Aquela contemplação me desafiou a observar — e buscar — a sutileza dos fenômenos dentro da minha prática jurídica, fosse em uma conversa sobre um contrato, uma mediação de conflito ou um pedido de aconselhamento. Saí da zona de conforto rasa e mergulhei, e mergulhei… nas sutilezas.


Nesse caminho, sem provocar — ao menos conscientemente — fui brindada com uma conversa com uma colega de profissão que parecia ter muita certeza de tudo. Então, ela disse: “A pessoa é boa ou é má. Uma coisa é branca ou preta. Porque entre o branco e o preto é uma zona cinzenta… onde não queremos estar!”


Me dei conta de como usamos a zona cinzenta como sinônimo de algo ruim, por sua falta de clareza.


Mas será que a zona cinzenta não é clara por uma característica inata ou será que essa falta de clareza decorre da nossa inabilidade — ou talvez da falta de encorajamento — para exercitar um olhar mais profundo?


Qual é a nossa disponibilidade, nossa curiosidade, nossa compaixão, abertura, flexibilidade, humildade e generosidade para nos relacionarmos com os tons mais sutis? Para buscar, aí sim, uma sabedoria rica, que pode apoiar as relações de forma verdadeiramente curativa?


O quanto ficamos no lugar raso das polaridades, que cada vez mais nos chocam — talvez como uma tentativa do Universo de nos revelar o caminho?


Acho essa uma conversa muito relevante a se ter com os advogados — especialmente nesse mundo polarizado de hoje.


Talvez a tal “zona cinzenta” não seja um lugar a evitar, mas justamente o território fértil onde mora a escuta, a presença e a transformação. Onde o preto e o branco se dissolvem e algo novo pode emergir — com mais verdade, mais beleza e mais humanidade.

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